CINCO MESES APÓS TRAGÉDIA DAS CHUVAS, CIDADES DA REGIÃO SERRANA MANTÉM O MESMO CENÁRIO DE DESTRUIÇÃO

RIO - Quase cinco meses depois da enxurrada que deixou 916 mortos e quase 32 mil desabrigados na Região Serrana do Rio, o cenário da tragédia pouco mudou. O GLOBO revisitou as regiões mais atingidas em Petrópolis, Teresópolis e Friburgo. E encontrou destruição e muitas queixas. Da catástrofe, nasceram bairros fantasmas, regiões desfiguradas, com casas semidestruídas que lembram cidades cenográficas de filmes que anunciam o fim do mundo. Alguns moradores já tentam retornar para os escombros. Sem receber aluguel social nem ter para onde ir, muitos tentam recomeçar do zero.
 As marcas da enxurrada não intimidam Paulo Roberto Detimermani, de 49 anos, que planeja remover a terra que cobriu sua casa no Vale do Cuiabá, em Itaipava, distrito de Petrópolis onde morreram 72 pessoas. Depois de dois meses, diz ele, o aluguel social foi suspenso. Móveis e aparelhos domésticos ainda estão revirados entre os escombros. Paulo aguardava na terça-feira um laudo da Defesa Civil:
- Eu gostaria de voltar. Não tenho mais nada a perder. Na casa da frente, o único vizinho nem chegou a sair.
Joaquim José Rocha, de 81 anos, mora com a mulher, Juracy Araújo da Rocha, numa casa encoberta até a metade pelo barro.
- Os vizinhos estão começando a reformar as casas para voltar. Não recebi nada do governo. Agora, estão dizendo que vão derrubar a minha casa. Eu não quero sair. Estou com 82 anos e toda a minha vida está aqui - disse o aposentado, que, no dia 12 de janeiro, passou seis horas em pé, em cima de uma mesa com a mulher, esperando por socorro. - A mesa foi o único móvel que sobrou, a minha salvadora.
Joaquim e Paulo fazem parte de um universo de 60 casas do bairro Buraco do Sapo, no Vale do Cuiabá, que, pelos planos do governo, vão desaparecer. O presidente da associação de moradores, Lairton Teixeira, também já voltou para sua casa, um pouco mais distante do rio que corta a região. Segundo ele, a indecisão do governo está fazendo com que as pessoas comecem a retornar.
Na vizinha Teresópolis, o cenário não é diferente. Nos bairros de Campo Grande e Posse, ele é até pior. Os lugares parecem amontoados de casas destruídas. Cinco meses se passaram e, segundo os moradores, a prefeitura só abriu os caminhos.
- Tenho que ficar esperando o dinheiro, mas até agora nada - lamentou Marlene de Souza, de 57 anos, que está morando com o filho maior numa casa pendurada na ribanceira, no bairro de Campo Grande.
Ela contou que já tem o cartão do banco para o pagamento do aluguel social, mas não recebeu ainda qualquer parcela. Sem ter para onde ir, Marlene já esteve em abrigos, mas voltou para casa. Da janela de seu pequeno barraco, é possível ter uma visão panorâmica da destruição:
- Os abrigos já foram até desmontados. Para onde vou? Debaixo da ponte não posso ficar, porque a chuva levou todas.
Adelia Maria de Araujo, de 72 anos, voltou para a casa onde criou os quatro filhos. O imóvel foi interditado pela Defesa Civil, mas ela retornou após dois meses num abrigo.
- Minha casa não encheu de água e está firme. Cheguei a alugar uma casinha depois que saí do abrigo, mas não tive mais condições de pagar. O governo não me ajuda e tive que voltar - contou, acrescentando que perdeu 16 pessoas da família. - Muitos amigos ainda estão debaixo dessas pedras.
Em Friburgo, a cidade mais afetada pelo temporal de 11 e 12 de janeiro, também pouco ou nada mudou. O bairro de Córrego Dantas, um dos mais castigados, transformou-se numa vila de construções parcialmente destruídas. Diferentemente do que acontece nas cidades vizinhas, os moradores não estão retornando para suas casas, mas as queixas são parecidas. Com 76 anos, Celina Storque Banchine está vivendo com uma das filhas e visita os escombros de sua casa todos os dias. Ela perdeu o marido, com quem foi casada durante 42 anos, na enxurrada.
- Eu queria que uma máquina retirasse aquela terra onde ficava o meu quarto, para ver se consigo recuperar alguma coisa. Já subi lá e dá para ver as bicicletas que estavam na porta - disse Celina, que se arrisca no alto do penhasco para tentar reaver alguma coisa. - Morei aqui 30 anos e gosto de voltar todos os dias.
No Centro de Friburgo, a reconstrução da Capela de Santo Antônio, na Praça do Suspiro, começou há apenas suma semana. E a tragédia deixou uma cachoeira que desce da encosta e forma um lago bem no meio da praça.
- O trabalho é muito lento. Até agora, só limparam as ruas, que estavam cobertas por montanhas de lama - comentou o comerciante Heitor Silva.
Parque fluvial: limites serão fixados este mês
O Instituto Estadual do Ambiente (Inea) ainda não concluiu os estudos que apontarão as distâncias mínimas para construções próximas aos rios da Região Serrana. Mas, segundo o secretário estadual do Ambiente, Carlos Minc, até o fim do mês eles já deverão estar fixados.
Apenas com esses cálculos será possível identificar as famílias que entrarão no pacote de compra assistida de suas casas. Os limites fazem parte do projeto de implantação de 18 parques. Os primeiros - um em Petrópolis, dois em Friburgo e dois em Teresópolis - devem começar a ser implantados com recursos federais.
- As obras totais custam R$ 700 milhões. Vamos ficar com parte do que a (presidente) Dilma (Rousseff) vai liberar, ou seja, cerca de R$ 600 milhões para todas as intervenções na região.
A prefeitura de Teresópolis informou que 2,5 mil pessoas recebem aluguel social da secretaria estadual de Assistência Social. O município paga para mais 254 moradores e, este mês, começará a depositar o benefício para outros 224.
Já a prefeitura de Petrópolis afirmou que, até o momento, 878 aluguéis sociais foram liberados para as famílias atingidas. Na cidade, segundo a prefeitura, serão construídas 1,5 mil unidades habitacionais em oito terrenos, sendo três no Vale do Cuiabá. A construção dos imóveis será feita pelo estado.
Em Teresópolis, deverão ser construídas 1.823 habitações até 2012. No caso de Friburgo, a prefeitura diz que já começou as obras de 56 moradias para famílias que continuam em abrigos e que aguarda a construção de outras 3.200 pelo governo federal. O secretário municipal de Comunicação Social de Friburgo, David Massena, diz que melhorias em alguns pontos dos bairros mais atingidos dependem dos estudos do Inea. Segundo ele, cerca de 1.600 famílias recebem aluguel social na cidade.

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