A presidente Dilma Rousseff errou ao evitar o debate sobre a divisão de royalties do petróleo. O projeto de redistribuição aprovado na semana passada pela maioria dos senadores tramitou e foi votado como se o governo central tivesse pouco ou nenhum interesse por um tema crucial para a boa ordem da Federação. A representação dos Estados produtores foi facilmente esmagada, como era previsível, pelas demais bancadas. Em situações como essa, argumentos, direitos, contratos e a própria Constituição podem tornar-se pouco importantes, porque o peso da maioria tende a prevalecer com ou sem razão. Cabe ao Executivo, diante desse risco, o papel de mediador empenhado na busca da solução mais equilibrada. A presidente recusou esse papel e foi acompanhada, nessa atitude, pelos líderes governistas.
A votação converteu-se em conflito entre entes federativos. Só isso caracterizaria o quadro como desastroso. Mas também é preciso levar em conta o resultado dos votos: aprovou-se um projeto altamente lesivo aos Estados e municípios produtores, atropelaram-se direitos e a insegurança jurídica aumentou.
Antes desse, outro projeto havia alterado a distribuição de royalties do petróleo. A mudança foi vetada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o veto ainda não foi examinado pelo Congresso. Os senadores deram prioridade à tramitação do projeto aprovado na semana passada. Esse projeto deve ainda passar pela Câmara dos Deputados. O presidente da Casa, deputado Marco Maia (PT-RS), elogiou a fórmula sacramentada pelos senadores: "Melhora a arrecadação dos não produtores e garante uma boa arrecadação aos produtores de petróleo. O pior dos mundos seria a derrubada do veto".
Se esse comentário é uma tomada de posição, o debate começa muito mal na Câmara. Os governos dos Estados produtores têm fortes razões para discordar do deputado Marco Maia. O senador Francisco Dornelles (PP-RJ) tentou pôr em debate uma proposta alternativa. A ideia era reduzir a parcela da União e aumentar a tributação sobre as petroleiras para garantir receita aos Estados e municípios não produtores. A maioria dos senadores desprezou essa tentativa. Senadores do Rio de Janeiro e do Espírito Santo ainda tentaram, num último apelo, preservar a arrecadação de seus Estados em 2012, mas também fracassaram.
O projeto aprovado afeta a distribuição de royalties do pré-sal e também a dos direitos sobre o petróleo já explorado. Dispõe sobre o futuro, alterando os critérios seguidos até agora, e muda os padrões adotados para os contratos já em vigor. O senador Vital do Rego Filho (PMDB-PB), relator do projeto, só recuou de alguns poucos pontos especialmente escandalosos, como a alteração das linhas geodésicas. Isso mudaria a geografia oficial das bacias petrolíferas, com vantagem para os Estados do Sul e prejuízos para os produtores.
Se a Câmara aprovar o projeto e a presidente Dilma Rousseff o sancionar, Estados e municípios produtores terão de mudar seus planos econômicos e financeiros, porque sua receita será fortemente prejudicada. Só no Estado do Rio, os municípios produtores ou com instalações petrolíferas deixarão de arrecadar entre R$ 25 bilhões e R$ 33 bilhões nos próximos nove anos. É perfeitamente compreensível, portanto, o tom de desespero do governador Sérgio Cabral ao pedir socorro à presidente Dilma Rousseff. Se ela fraquejar, restará aos governos dos Estados e municípios produtores ir ao Judiciário em busca de seus direitos.
A hesitação da presidente tende a agravar a enorme confusão criada pelo governo desde a conversão da política energética num tema ideológico. A transformação da Petrobrás em instrumento de política industrial, com resultados entre ruins e duvidosos, é parte dessa confusão. Com muito mais entusiasmo do que cálculo, o governo subestimou as dificuldades do complexo projeto de exploração da nova riqueza. As dificuldades financeiras da Petrobrás, empenhada em conseguir mais ajuda oficial, é mais um ingrediente desse imbróglio, agora ampliado com uma crise federativa.
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