“Fui levada por aqueles olhos verdes, os cabelos quase grisalhos. As piadas não eram tão engraçadas, mas a leveza com que ele conduziu tudo me conquistou irremediavelmente. O sexo não foi espetacular, não teve nada de bizarro, não foi inesquecível. Mas jamais poderei esquecer de uma sensação – ao vê-lo fumando nu na janela, pensei: ´quero de novo. E de novo. E de novo`. Foi libertador”.
Assim Letícia Fernandez começou o primeiro texto de um projeto bem incomum: ir para a cama com 100 homens em um ano – e relatar essa experiência em um blog. A meta foi estabelecida em fevereiro. Ela havia se mudado para São Paulo e, depois de uma calmaria em sua vida sexual, percebeu que a coisa tinha engrenado.
“Pensei que, se continuasse naquele ritmo, eu chegaria a cem em um ano. Como já havia tido vários blogs, resolvi registrar em um para não esquecer de cada caso. Por mais doloroso que seja para alguns homens, a verdade é essa: a gente esquece deles”, diz a jornalista de 30 anos e sotaque carregado que se protege sob o pseudônimo (o nome e a cidade natal ela não revela nem amarrada). Só que o blog Cem Homens bombou.
Os 4 mil acessos diários passaram para 10 mil, depois para 30 mil, e ontem o blog registrou um pico recorde de 200 mil acessos. No último mês, já somam 750 mil. “Não esperava que tivesse esse retorno tão grande”, afirma a autora do
Cem Homens. Ainda um pouco atordoada por todo esse sucesso, ela falou ao Tecnicidade:
Por que você resolveu fazer o blog?
São Paulo é arida, né? As pessoas não são muito simpáticas com alguém desconhecido. Eu estava acostumada com uma coisa mais calorosa e tive dificuldade para me adaptar ao jeito do paulistano. Se você faz piada de cunho sexual por aqui, as pessoas se constrangem, e eu não me constranjo com nada disso. Então mergulhei em outras coisas porque a parte sexual estava ruim. Quando as outras coisas estavam boas, eu me voltei para a minha vida sexual. Eu estava de férias e com uma vida pessoal bem agitada. Pensei que, se continuasse naquela batida, em um ano ia chegar a 100 homens. Como eu já havia tido outros blogs e gosto de escrever, resolvi registrar em um para não esquecer dos caras com quem eu estava transando. Por mais que seja doloroso para alguns homens, a verdade é essa: a gente esquece de vocês. É bastante normal uma mulher querer transar com cem homens, só que as pessoas não falam disso.
O blog está fazendo muito sucesso. Você esperava essa repercussão?
Eu não achei que ia ter esse retorno. O interesse das pessoas em uma vida completamente comum me assusta. Fico imaginando como é a vida das pessoas que caem na rede. Tenho um pouco de receio do que pode acontecer. Quando comecei, achei que seria só mais um blog. Ficaria numa boa se tivesse sido assim.
Já pensou por que isso está acontecendo?
É um assunto que todo mundo gosta ou sobre o qual tem alguma curiosidade. As pessoas me mandam email com dúvidas. Uma menina queria saber: “O que faço com a ejaculação precoce do meu namorado?”. Porque ela não tinha coragem de falar com os amigos sobre isso, e o blog acaba sendo um lugar de discussão graças à proteção do anonimato, que permite às pessoas falarem coisas que não são tratadas em outros lugares. Aos poucos a coisa evoluiu para além da festa. Passei a me interessar mais pelo assunto. Não só consumir sexo, mas a saber um pouco mais do que a média.
Como assim?
Quando comecei a fazer o blog, me deparei com certas taras, coisas que não faziam parte da minha realidade. Se você sai com um cara, ele não vai falar que gosta de ser penetrado ou te propor uma escatalogia. Mas isso já aconteceu pelo blog, que ganhou um papel importante por esse feedback. Passaram a me mandar muitos emails. Hoje eu narro algumas coisas, mas virou mais um espaço onde as pessoas falam sem medo de serem julgadas. Ao mesmo tempo o blog foi uma forma de relatar uma mudança na minha forma de ver o sexo e até intensificou isso. Antes eu não namoraria um bissexual e era uma defensora da monogamia. Mas hoje teria um relacionamento com um bissexual e acho que um relacionamento aberto pode dar certo. Uma vez fiz um post sobre travestis. Os comentários eram em sua maioria de homens dizendo que curtiam ou de mulheres dizendo que se descobrissem que o marido gostava seria o fim do casamento. Mas quatro mulheres disseram que tinham tesão em travesti. Isso nunca tinha passado pela minha cabeça, mas aí essas pessoas admitem esse desejo em um blog e eu aprendo com isso. Hoje, se uma amiga minha falar que sente tesão por travesti, eu não acharia mais estranho.
Você consegue traçar um perfil dos seus leitores?
Acho que não tem um perfil. Tentei fazer uma análise disso com um post em que eu pedia para as pessoas dizerem a idade, o sexo e a cidade onde moravam. Tinha gente de 18 ano a 50 anos. Mas, como a maioria dos comentários são anônimos, não há como saber.
Em muitos sites, os comentários anônimos são um problema porque as pessoas falam coisas impublicáveis. No seu blog também é assim?
Os comentários eram liberados, mas depois eu tive que passar a controlar. Quanto mais notoriedade, mais comentário tosco. Já disseram que eu estava tomada pelo diabo ou que eu estava ensinando as mulheres a serem prostitutas. Mas não recebo muitas mensagens desse tipo. Por email, nem me xingam mais. Acho que as pessoas têm preguiça. Quando recebo comentário ou email assim, nem presto mais atenção. Fico incomodada com quem quer ditar o que eu tenho que falar no blog. O pior é quantidade de email de tarado. Teve um homem que me mandou a foto da vasectomia dele. As pessoas perdem a noção completamente. Nem perco tempo lendo porque esse tempo poderia ser melhor gasto escrevendo no blog ou respondendo a pessoas bacanas. Esse tipo de mensagem eu mando direto para a pasta de homens sem noção do meu email. Criei até um tumblr para colocar as coisas mais absurdas que eu recebo (http://cemhomenssemnocao.tumblr.com/).
Em meio a esse assédio, surgem pessoas legais?
Tenho leitores muito bacanas. Saio, bato papo, viro amiga. Tem pessoas com quem falo todos os dias no Twitter, troco email. Hoje está um pouco difícil porque não consigo mais responder a tudo e a conversa não flui, mas com quem já me lia antes eu tenho uma boa relação.
E casos com leitores, já teve?
O número 18 foi o primeiro leitor com quem eu transei. A gente trabalhava no mesmo lugar. Eu já sabia quem ele era, e ele não sabia quem eu era. Quase desisti por medo de encontrá-lo e não ser bacana. Mas fui. Hoje não nos falamos mais. O número 26 também é leitor.
Eles idealizam uma mulher muito diferente do que você é?
Acho que me imaginam completamente diferente, como se eu fosse a maior gostosa, dessas que passam e todo mundo olha. Também acham que eu fico dando mole para os caras na rua. Sou normal. Na balada, nem sou a mais paquerada do meu grupo de amigas. Mas quem vai terminar a noite acompanhada sou eu porque elas são conservadoras. Eu só tenho preocupação com minha segurança física e doenças venéreas. Nem ligo pro resto.
Já rolou alguma paixão?
Sim, foi com um leitor do blog. Não quero falar muito porque as coisas estão meio indecisas. A gente se trata por nomes ridículos que nem os casais apaixonados, mas ele não mora em São Paulo. Então, decidimos não continuar, porque eu preciso muito do contato físico. Eu não ia conseguir ser monogâmica à distância, e ele não segurou a onda. Ele é uma pessoa incrível e ainda vamos nos encontrar. Há um carinho muito grande. Quero ter ele na minha vida para sempre, nem quem seja para mandar só um email por ano perguntando como estão as coisas.
Alguma história ficou de fora?
Hoje fica. Não vejo necessidade de escrever todas as histórias, porque não quero magoar as pessoas. Até o número 29 eu postei todas. Depois passei a não postar porque não vou por em risco um relacionamento para saciar a curiosidade de quem eu nem conheço. Teve um cara com quem eu transei e foi muito ruim. Como você fala que foi muito ruim para alguém do seu círculo social?
Como está a sua contagem?
Está acima de 30. Ou melhor, de 31, porque teve um ménage a trois. Mas não quero ser precisa porque não vou mais escrever logo depois que rola a transa. Vai ser fora de ordem, aos poucos, algumas semanas depois ou quando acabar. Eu estou expondo a vida de outras pessoas e é difícil lidar com isso.
Com o sucesso, você pensa em se revelar em algum momento?
Não. Prefiro que as coisas fiquem bem separadas. As pessoas são muito grosseiras. Tenho que preservar outras pessoas e a minha família. Não quero que sobre para ninguém. Eu escolhi isso.
Já pensou em como esse projeto vai evoluir daqui em diante? Ou onde isso vai terminar?
Não tenho a menor ideia. Já me chamaram para dar entrevista na TV e fazer programa de rádio. Fico um pouco envergonhada. Não pelo sexo, mas porque eu não preciso dessa massagem no ego. Não tenho esse exibicionismo digital. Pode parecer contraditório, porque tenho blog sobre a minha vida sexual. Mas o blog não existe para eu ficar conhecida. A ficha ainda não caiu. Talvez tivesse caído se eu ganhasse algum dinheiro com ele. Talvez já tivesse virado uma coisa profissional. Mas não é o caso. Pra mim, continua sendo só um blog. É divertido, mas também é muito irritante às vezes. Já pensei em parar. Cheguei a fazer post de despedida, mas continuei porque eu sinto que ele tem uma função bacana. Mesmo eu não sendo recompesada diretamente, sei de mulheres que se sentem melhor por ler o blog. Largar seria um idiotice.
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